Não desistas

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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Quiroga Trail Challenge



Já no final do ano estava decidido a realizar provas em Espanha, tal como se proporcionou ir ao Trail La Cabrera, este a pouco mais de 3 horas de distância na Galiza, não poderia falhar. O Damián já tinha divulgado a prova dentro do clube, para mim encaixava na perfeição, com um mês de diferença da última Ultra, esta prova com cerca de 63 km e 6500 mt dac, anunciados pela organização, era mais  um bom teste para a distância.


Para tornar o desafio mais difícil, a mãe natureza preparou das suas, as previsões meteorológicas eram de muito frio e de neve em cotas mais baixas que o normal, portanto seria certo que ia andar na neve. Não tenho grande treino nestas condições, apesar de ter alguns conhecimentos, pelo que a preparação do material para a prova teria que ser baseado nas condições previstas, mais rigorosa, apesar de não ter investido em material para estas condições extremas, facilmente se consegue preparar para isso.
Dois dias antes da partida recebo a notícia por parte do Jorge Esteves, da Lojatrailrun, que poderia testar em prova, uma mochila da casa Nathan, o modelo Vaporair, mas além disso, passaria a contar com o apoio da Injinji Portugal, marca de meias e da Altra running, marca de sapatilhas, para a presente época. Vou depois realizar uma publicação sobre a mochila.






Já em Quiroga, demos logo com o albergue, mas a fome já era alguma e decidimos ir ao restaurante que se tinha associado ao evento, o Chapacuña, com preços atrativos e com um ambiente fantástico, pois a maior parte dos participantes na prova, vinham repor energias aqui.
No albergue fomos bem recebidos e encaminhados para o nosso quarto, por sorte o nosso amigo Damián conseguiu que ficássemos juntos da restante comitiva tuga.

Fui alertado pelo Diogo, que no briefing, teria sido comunicado aos atletas, que deveriam usar calças, impermeável, luvas e gorro, pois a subida ao pico Montouto, ou seja até aos 1504 mt de altitude, seria de extrema dificuldade, devido as previsões meteorológicas, além do mais, quem no posto de controlo ao km 19,5 em Outeiro, não tivesse o material obrigatório não seguiria na Ultra e seria desviado para a Maratona.

Ao preparar o saco para deixar no abastecimento, deparei-me com duas situações que não estavam a ajudar nada, primeiro não tinha frontal e segundo não tinha calças, só corsários. Pensei logo: "Estou tramado!" Felizmente o meu salvador, o André, arranjou solução para o problema, alias, ele consegue resolver qualquer problema, estou seriamente a pensar começar a lhe chamar de Macgyver. Sabendo que seria o único local onde abastecer e ter muda de roupa, a estratégia passou por deixar um par de sapatilhas, dois pares de meias, um buff térmico, uma térmica, barras e géis. Na mochila tenho por regra levar sempre um estojo de primeiros socorros, levei também uma térmica isolada num saco para o efeito, luvas, gorro, dois géis e o isotónico. Vestido levava meias Injinji, calças e três camadas de roupa, ou seja, térmica, camisola da equipa e o impermeável.


A manhã estava extremamente fria, a montanha estava branca e com bastante nevoeiro, o ambiente na partida estava electrizante, o facto de não estar na minha área de conforto, não conhecer o local, nem o percurso, conseguiu acelerar o meu batimento cardíaco mesmo sem estar a correr. A partida foi dada, a menos de um quilómetro já estava a tirar o impermeável, pois já tinha calor. Cedo começamos a subir, a neve a cair, com uns flocos de neve bem grandes...estava maravilhado, mesmo que isso implicasse mau tempo na subida ao pico, eu estava encantado.


Basicamente foi sempre a subir em 15 quilómetros, algumas descidas pelo meio, muitas passagens pelo rio, o que me faz pensar que foi bom ter enviado 2 pares de meias extra para o abastecimento onde poderia trocar. Como sabia que necessitava de energia para a parte com mais neve e por estar ainda com atletas da Ultra e da Maratona, tentei manter a calma e não gastar muita energia. Até que certa altura tinhamos perdido o rumo do trilho, o grupo de 10 atletas começou a andar para um alado e para o outro, ora sobe e desce, nada de fitas nem sinalização nem pegadas, até que alguém diz, estou a ver o track no GPS e é por este lado e lá encontramos o trilho novamente. Ainda dois dias antes, num forum tínhamos comentado a importância de ter o track no relógio, houve quem achasse desnecessário, tive mais uma vez a prova, que o seguro morreu de velho.
Quando cheguei a Outeiro, abastecimento com a muda de roupa, eu não vinha em mim, não estava a pensar e cometi o primeiro erro da prova, não me alimentei correctamente, não fui buscar a minha suplementação, nem o Buff térmico para tapar o rosto, isto porque, para não perder o grupo em que vinha inserido, não perdi tempo, segui e depois paguei a fatura...


Tinha retirado as luvas e o impermeável, estavam encharcados de água e de lama, tínhamos deixado os trilhos do rio, cheios de lama e água, começamos a subir por um estradão, sempre a nevar, para já a temperatura era suportável sem casaco, por momentos o céu deixou de estar encoberto, o sol espreitou e ainda pensei que iria ser assim durante a passagem no pico, mas como se diz, foi sol de pouca dura.






O vento era forte, de repente parece que tinha entrado numa tempestade de neve, a neve tinha pelo menos 80 cm de altura, felizmente já tinha vestido o impermeável mas, aqui  cometi o segundo erro da prova, não calcei as luvas neste ponto e continuei com a subida.





Estava inserido num grupo, que hoje sei o nomes, a liderar estava o Lolo Díez, Víctor Puente, Nardi, eu e o Manuel Alexandre Lago Ríos, este dos Amigos da Montanha. O comboio seguia tipo expedição, fila indíana, cabeça baixa, o vento era tal que com a neve, queimava o rosto e as pálpebras, o Lolo, como grande líder, olhava para trás a ver se o grupo se mantinha nesta expedição. Eu já não aguentava mais estar sem as luvas, as mãos tinham inchado, não sentia os dedos, tentei colocar nas mãos e não conseguia, pedia ajuda ao Manuel Ríos, pedi desculpa por estar a incomodar e este deu-me a resposta de um verdadeiro ultra, "Ajudar um companheiro, é mais importante que qualquer prova!". Mas as mãos estavam tão inchadas que foi muito complicado colocar mesmo os dedos, resolvemos a situação da melhor forma possível e para não perder tempo e nem o grupo seguimos. Depois de tocar no marco geodésico no topo do pico Montouto, começamos a descer, aqui adorei, porque já sentia as mãos e porque parecia que estávamos a fazer snowboard, deixei-me ir e brinquei.

Chegado novamente a Outeiro, já com 40 km nas pernas tinha que me alimentar, sentia-me fraco, tostas com marmelada, isótónico, banana, laranja, salgados e até gomas comi. O Lolo estava a falar com os voluntários a dizer que tinha sido muito difícil no pico e que poderia correr mal a quem não estivesse preparado, a mim só me faltava pegar nos suplementos que tinha e tentar fazer bem os restantes 24 km.

Mal descemos Outeiro entramos novamente em passagens pelo rio, mas entramos num trilho que apesar de ser sempre a subir lentamente. Ainda caíam flocos de neve, deu para levantar a cabeça para apreciar a paisagem, até ali não tinha dado para muito, neste ponto serpenteávamos uma colina, num carrosel sobe e desce. O cenário era Abútrico, eu que não fiz os Abutres em Portugal, vim a Espanha ao Courel, encontrar os Abutres Espanhóis. O terreno era pesado, muita lama e água nas aldeias, junto aos rios, todo o cuidado era pouco, a leitura do terreno tinha que ser cuidada, o ritmo era bom e já tinha recuperado da passagem pelo Montouto.

Ainda tive companhia por momentos do Manuel Lagos, mas ele ia endiabrado, muito rápido, eu já estava bastante cansado, foi o preço a pagar pelo erro cometido anteriormente. Descemos ao rio, outra vez cenário abútrico e apanho uma subida com uma corda para auxiliar, pensei será que não vou sair desta lama???
Mais uma subida, passagem por uma gruta, onde por momentos quando comecei a passagem, pensei que me tinha enganado(eheheh), mais uma subida e comecei a rolar até a último abastecimento. Estava a seis km da meta, o pior já tinha passado, pensei eu, neste ponto sou apanhado pelo Vítor Puente, onde tinha a filha e a esposa a sua espera, ele ainda me disse para tirar uma foto com eles, mas eu não percebi, perdona Vítor. Perguntou-me como estava, é óbvio que estávamos já todos com um enorme acumulado nas pernas, cansados, mas a força em terminar era muita, decidimos seguir juntos, até que de repente apanhamos uma subida brutal, mas ao mesmo tempo com uma paisagem magnífica, ainda com bastante neve.

No fim da subida já avistávamos o Rio Sil e Quiroga lá no fundo, tínhamos uma descida técnica e todo o cuidado era pouco, estava cansado, não esperei pelo Vítor ele estava um pouco mais lento e segui ao meu ritmo. Passei por vários caminheiros nesta parte do percurso, davam muito ânimo na nossa passagem, depois avistei o Castelo que dá nome a esta prova, já sentia a meta e já ouvia o speaker a anunciar quem ia chegando. Faltava pouco um último esforço, a vontade em terminar era enorme, já via o Albergue, entrei na meta, aplaudi o público e finisher nesta epopeia.

Agradeço a organização, aos voluntários, ao pessoal do Albergue e especialmente ao Dámian Novas por ter sido um anfitrião e ao André Alves por ter tratado da logística, bem como de me ter emprestado as calças e o frontal. Quero também agradecer a todos que me tem apoiado nestas minhas aventuras e ajudado a superar o desafios, sim, os desafios superam-se, não se vencem.


7º na geral
2º por Equipas
Tempo: 09:13

 Vejam o meu percurso aqui no Strava.